Nas inglórias que me pertencem,
medito sozinho no mundo
contando só com a injúria e a divina sorte
de ter nascido carne e sangue.
Medito na divina sorte de viver
carne, sangue e imaginação.
O rastro breve que deixo neste chão abreviado,
a contagem incerta dessas horas tíbias
nessa tarde fria,
o registro na memória dessa tarde
que se arrasta no asfalto,
são testemunhas mudas
do vão conhecimento que tento juntar.
Cada um tem a medida do profundo sentido
das ruínas de si mesmo.
Cada um tem de conviver com a sensação
de que o gesto mais virtuoso de si mesmo
ainda não foi criado (se é que será)
Cada um tem de cumprir inconsciente
o resguardo dos próprios sonhos
sob pena de ser considerado anátema,
(sonhos são portas de mitos,
jardins de sobressaltos,
fortalezas precárias,
envergadura de fé).
Nessa tarde em que o céu elabora
um longo fim de cobre
em uma alquimia calada.
Nessa tarde em que o céu
gasta mais um de seus mistérios ardentes.
Nessa tarde a vida vem e vai,
se alonga e se estreita,
se aclara e se faz sombra,
e me arrasta até onde se conserva
a solidão pioneira, na lembrança.
Essa tarde já é passada,
e a pressa do tempo é inclemente
em fossilizar seus caprichos voláteis.
Mesmo assim teimo em meditar no mundo
que comporta essa tarde que já é passada.
Aqui está a paz, eu a sustento com os olhos,
dela retiro substância
e teço um oráculo do meu destino,
enquanto seu vento de inverno
queima os contornos do meu rosto.
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