quarta-feira, 26 de novembro de 2014

DESILUSÃO E ESPERANÇA I - Mário Barreto França

Brada sem esperança o homem desiludido:

- "Não há mais salvação para o mundo perdido!
Que importa fazer bem, se disso a recompensa
é a fuga, a ingratidão, o esquecimento, a ofensa?
Propagar a verdade e a justiça exercer
é o mesmo que subir à cruz para morrer!

O que impera no mundo é o crime e a traição:
Vence quem pode impor a fôrça do canhão;
a palavra empenhada é verbo sem valor;
o cinismo tomou o lugar do pudor;
compromisso nenhum possui mais importância;
a mestra modernista é a senhora ignorância;
o ensino corrompido e o estudo adulterado
é que vão solapando o alicerce do estado;
as próprias religiões esquecem seus fiéis
para viverem sempre em lutas sem quartéis,
a fim de conseguir política, hegemonia
da crença universal, da fé da maioria...
O lar já não é mais o asilo inviolável
nem tampouco a família é fôrça inquebrantável,
pois o pátrio poder é mera convenção,
e o próprio amor materno está sempre em função
de alguma conveniência ou de simples vaidade,
que até sobrepõe à personalidade...
Todos querem fugir aos mínimos deveres:
Interessam-lhes só os lúbricos prazeres,
nunca lhes importando o modo de alcançá-los,
e, para os conseguir, nos curtos intervalos,
roubam, matam e vão depois, cinicamente,
disfarçados, cada um, num esmoler ou crente
explorar a piedade ou a superstição
de um povo sem critério e sem educação.
A atitude modesta e franca do Messias
é vilmente trocada, agora em nossos dias,
pelo falso esplendor dos cerimoniais...
O mais enaltecido é o que aparenta mais
ser religioso, ou culto, ou muito interessado
pela situação do pobre ou desgraçado...
O lema é concordar com tudo o que fizer
aquele que o poder em suas mãos tiver...
Reduz-se à condição de anátema o idealista
que reprova e combate o abuso mandonista
dos senhores feudais e dos usurpadores
que condenam sem prova os edificadores
da heroica resistência `a toda escravidão,

política, social ou mesmo da razão,
porquanto a esses chacais somente lhes convêm
a atitude dos que lhes gritam: Muito bem!
Em meio a sociedade hipócrita e vaidosa,
a alegria é forçada e a crença é mentirosa...
Não! não creio em nais nada! A vida é ingrata e má!
Talvez somente a morte a dor me extinguirá;
do mundo enganador o excêntrico relógio
bateu a hora fatal do humano necrológio!
Malditos sejam, pois, a vida e o homem perverso,
que fizeram da guerra a deusa do universo!

Ouvindo esse clamor de justa indignação,
revoltou-se também meu triste coração,
pois, vendo em toda a parte o sofrimento humano,
só espera encontrar o amargo desengano
ao fim de uma existência em lutas consumida,
para alcançar o céu na escalada da vida...

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