sábado, 23 de maio de 2015

Exuberâncias - Mário Celso Rodrigues

       
  Mais de meio século, palhas secas, águas turvas correndo no leito de um riacho exuberante de outrora. Não mais a curva do caminho que me anunciava o inesperado... Os ventos que agora acariciam minha face são mais amenos, mormaços... Uma tarde em que o sol com respeito se declina dizendo precisar dar lugar ao luar que surge. No alto, em algum galho procurando aconchego,  o sabiá em seu trinado diz-me uma boa tarde e que em momentos me acompanhará no silêncio de seu cantar...

    Mais de meio século... Tudo bem diferente... Tudo muito vivo... Exuberâncias que o tempo insiste em apagar de minhas lembranças. Memórias vivas que não sairão de minha alma enquanto forças houverem para sorver o nobre gás – essência da vida. Mais de meio século, nem tudo está diferente, ainda há um sentimento que tentam mudar, trazê-lo a modernidade... Continuo amando e sendo amado como na antiguidade... Não importa a idade, as mesmas borboletas que bailavam se cortejando por entre rosas, continuam nos salões de meu jardim... Posso ouvir o barulho das muitas águas que agitadas se apressam a caminho dos oceanos.

        Mais de meio século... Todas as manhãs... Tudo... Não tão diferente.  Não só um, mas, todos os tenores das florestas... Também os barítonos sabiás e, os baixos, contraltos e sopranos. Orquestras e corais... Mais de meio século... Tudo muito igual quando se tem o vivo e ardoroso sentimento do amor impulsionando o coração... O Sol brilha forte e a lua, sua enamorada, passeiam de mãos dadas por entre arrebóis.

        Se foram mais de meio século. Leves toques na porta do meu coração, insisto, não quero abrir... A saudade entra, a canção que sai de seus lábios vai tomando espaço e já domina todo o ambiente... Mais de meio século, os caramanchões de “bougainvilleas”, vermelhos tal a cor da paixão. A doce voz de minha mãe... Enérgicos e suaves comandos de meu pai... Meu irmão, que ingrata saudade me fere a alma. Na glória passeando por celestes caminhos, uns verei no porvir... Outros... Meus olhos embargam a voz quando em minhas súplicas clamo ao Pai o querer vê-los também.

        Não sei se mais meio século viverei, feliz me sinto nos tantos que já vivi... Voltar e revivê-los, impossível... Nos é destinado pelo Sábio Criador somente uma vez passarmos pela vida e... amar... boas sementes plantar... doces frutos colher e deles nos deliciar. Agradeço a Deus as saudades que hoje sinto... Até meus últimos instantes quero amar, não como antigamente, mas, como sempre... Primaveras e saudades, que sejam fartos nos jardins de todos os que amei e dos que ainda amarei.


        E, se no caminhar pela estrada florida com destino ao centenário, o Criador resolver interromper o meu jornadear... Irei feliz como um menino, pezinhos descalços... Cabelos desalinhados pelos ventos do transporte e, no coro celestial, serei barítono e enlevarei minha voz e cantarei louvores e salmodiarei por indefinidos decênios... Cinquentenários... Centenários... Amor eterno... Vida eterna junto do poderoso Deus!                 

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